Porque o riso, que a alegria
Quando as chamas estão sempre ardendo?
Cercado pela escuridão
Não deveria você buscar a luz?
– Dhammapada 146
Intolerância ao Sofrimento
O Buddhismo é frequentemente considerado uma religião de tolerância. De muitas maneiras o é. Mas um tipo particular de intolerância surge à medida que praticamos: intolerância ao sofrimento. Eu uso a palavra “intolerância” para ser deliberadamente provocativo, para incentivá-lo a refletir sobre o sofrimento e as questões que o cercam.
Levar o sofrimento a sério é um elemento importante da prática buddhista. Ignorá-lo seria perder uma poderosa oportunidade. A intolerância ao sofrimento motivou o Buddha a encontrar a libertação em relação a ele. Sofrimento, um sentimento de descontentamento com a vida, motiva as pessoas à prática espiritual. O desafio do Buddha é para que nos tornemos livres de nosso sofrimento.
As pessoas são frequentemente bastante tolerantes ao seu sofrimento, particularmente ao sofrimento sutil nas atividades diárias. Por exemplo, podemos não prestar atenção à tensão sutil na maneira que dirigimos: indo um pouco mais rápido do que o confortável, julgando outros motoristas ou talvez estando ansioso sobre nosso destino. Tal estresse menor tende a acumular com o tempo, afetando nosso estado geral.
As pessoas também toleram o sofrimento maior. Por exemplo, podemos temer que ao tratarmos determinadas questões em nossos relacionamentos isso causará ainda mais sofrimento, assim escolhemos não fazê-lo. Ou podemos passivamente tolerar tamanha ansiedade existencial como o medo da morte, nunca realmente olhando-a profundamente, nunca nos livrando de seu controle em nossa vida.
Nós temos muitas maneiras de tolerar o sofrimento, e muitas razões para fazê-lo. Podemos temer as consequências de enfrentar nosso sofrimento. Podemos nos tornar insensíveis a ele ou nos afastarmos dele. Podemos intencionalmente negar a existência de algo que é bastante incômodo.
Podemos também tolerar nosso sofrimento por ambição ou desejo. Ou podemos nos dispor a tolerar algum sofrimento para conseguir o que percebemos como um bem maior. Às vezes esta tolerância é um componente necessário à vida. Para graduar-se na faculdade, por exemplo, muitos de nós toleramos situações desagradáveis. Estávamos dispostos a tolerar o incômodo por causa do valor da educação.
Mas tais trocas nem sempre valem à pena. Quando consideramos nossos valores mais profundos, podemos descobrir que o que estamos aspirando não vale realmente a pena. Por exemplo, a riqueza financeira pode não valer os anos de estresse necessários para consegui-la.
As principais crises e tragédias pessoais podem ser muito difíceis de lidar, mas podem ser mais fáceis se tivermos experiência com questões menores. O sofrimento sutil em nossas vidas – como na maneira que nós dirigimos ou conversamos com os colegas de trabalho – pode parecer sem importância. Mas se atendemos às maneiras pequenas com que sofremos, criamos um contexto de maior facilidade, paz e responsabilidade, que pode facilitar lidar com as dificuldades maiores quando surgem.
Ser intolerante ao sofrimento, no sentido buddhista, não significa que o rejeitamos ou lutamos contra ele. Significa que paramos e olhamos para ele, não morbidamente, mas porque temos fé na possibilidade de uma vida alegre e tranquila, se pudermos compreender nossos sofrimentos.
Na prática buddhista, investigamos a natureza do sofrimento. Uma das primeiras coisas que podemos observar é nosso relacionamento com ele. Nós podemos descobrir como toleramos, evitamos ou aceitamos o sofrimento de maneiras prejudiciais.
Podemos observar nossa aversão ao sofrimento. Tentar empurrar algo para fora do coração é outra forma de sofrimento. A aversão ao sofrimento cria ainda mais sofrimento.
Podemos também observar como o sofrimento funciona em nossas vidas. Podemos usá-lo como prova ou justificação para julgamentos inapropriados sobre nós mesmos: por exemplo, que somos culpáveis, inadequados ou incapazes. Identificar-nos fortemente com nosso sofrimento pode transformar-se em nossa orientação no mundo. Ocasionalmente as pessoas se prendem à identidade “eu sou uma vítima”, e querem ser tratadas pelos outros como uma vítima. Podemos usar nosso sofrimento para conseguir que outras pessoas reajam de maneiras que podem não ser saudáveis.
Entretanto, estar disposto a investigar o sofrimento e olhá-lo de perto e de uma maneira não-reativa muda nosso relacionamento com ele. Trazemos uma parte saudável de nossa psique à experiência do sofrimento. Em vez de estarmos misturados com nosso sofrimento, perdidos em aversão a ele ou fechados para ele, nos perguntamos simplesmente: “O que é isto”? Este movimento em direção a um relacionamento diferente com nosso sofrimento é um aspecto importante da prática buddhista.
A prática da meditação ajuda-nos a desenvolver a concentração. Quando desenvolvemos a concentração em algo tão simples quanto a respiração, nos contrapomos à força de nossos apegos com a força de nossa concentração. A concentração cria geralmente uma percepção de calma, de relaxamento e mesmo de alegria que, por sua vez, começa a mudar nosso relacionamento com o sofrimento. Mas a concentração é somente uma parte da prática da observação vigilante. A observação vigilante fortalece nossa habilidade de olhar honesta e firmemente as fontes de nosso sofrimento. Ajuda-nos a ver que as raízes de nosso sofrimento se encontram na verdade no momento presente. As circunstâncias que geraram o nascimento do sofrimento podem estar no passado, e compreender circunstâncias passadas pode ser muito útil.
Mas o sofrimento acontece no momento presente, e é amarrado em seu lugar pelo desejo, aversão ou medo, que também estão acontecendo no presente. Se pudermos soltar as amarras, o sofrimento relaxa. A vigilância juntamente com a concentração permite que observemos as continuas amarras bem no coração de nosso sofrimento.
A intolerância ao sofrimento pode coexistir com a alegria. Certamente não a alegria pelo sofrimento por si só, mas a alegria de trazer nossa prática para afetá-lo. À medida que nos tornamos intolerantes ao nosso sofrimento e o encaramos honestamente, começamos a ver a possibilidade de levar uma vida alegre e tranquila.